“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma
criatura o legado de nossa miséria”. Você sabe o que é racismo? Isso mesmo,
início a minha fala engasgada chamando você para a reflexão. O que se entende por racismo?
Provavelmente na sua cabeça irão passar
frases clichês e que atualmente
servem de hastags para as redes
sociais, mas vai muito mais, além disso, garanto.
Certo, mas aí você se questiona: “O que isso
tem a ver com um blog sobre educação?”
— Vou te responder, mas antes quero contar uma história.
Sou professora de Literatura do ensino
regular básico e dentro da minha disciplina falamos muito sobre muitas
coisas... amores, aventuras, comédia... e sempre foram aulas incríveis, até
chegarmos no realismo. Ah! O realismo.... a escola literária que presentou o
mundo com Machado de Assis que era NEGRO! Sim, negro. Neto de ex- escravos. Mas
ao citar essa informação na sala ouvi de um aluno a seguinte pergunta: “Professora, por que nunca dizem que ele era
negro?” e eu respondo com convicção “Por
ser negro e no Brasil. Ser negro para alguns é sinônimo de crime”.
Pronto,
estava feita a balburdia!
Não para os meus alunos, aliás, um salve a
essa geração que não é alienada e
sabe ouvir um debate, se colocar nesse debate e entender a realidade do país.
O problema
não são os alunos e sim seus pais. Talvez por ingenuidade nem me dei conta de
que a aula é remota, virtual e em casa, e que muitos pais assistem as aulas
como verdadeiros sensores de conteúdos
(ALERTA DE IRONIA: não que esteja me referindo a outros tempos, já tive
problema demais por uma aula), mas a verdade é que a preocupação não é se o
filho vai entender o problema de matemática ou se sabe quantos continentes tem
no planeta (que tem esse nome apesar de não ser plana).
A preocupação é com as “ideologias”. Sim! Os pais não querem “professores ideológicos” como
se esses existissem, mas isso é outra discussão. Voltando ao fato, falei a frase
citada acima e segui minha aula. Para minha surpresa sou chamada para uma
“reunião” para tratar de um “assunto delicado”. Penso — “Deve ser as provas que
ainda não terminei a correção ou então o plano bimestral que ainda não
entreguei” — mas para minha surpresa ouço:
— “Professora, como à senhora fala de racismo,
e principalmente, no momento que estamos vivendo?” — Paro, respiro e pergunto: —
“Como?”. — Pronto, foi ladeira abaixo.
Chuva de pais ligaram para a escola para
dizer que eu “A professora de Literatura”
não estava dando aula de Literatura e que estava “induzindo os meninos num pensamento errado e que tava chamando todo
policial de “assassino de negro” e mais um “monte de coisa”.
A única coisa que conseguia dizer era que
tinha dito que Machado de Assis era negro e que não se admitia isso, pois ainda
vivemos em um regime escravocrata onde ser negro é crime e que policial matava negro
e isso era mostrado pelos dados do governo. — Cavei minha sepultura, o crime
foi confirmado!
— “Professora, mas o que isso tem a ver com
sua matéria?”
— Gente, o que isso tem a ver com o mundo?
Somos professores, independente de disciplina os assuntos estão aí, esses
alunos, os mesmos que me perguntam por que não dizem que Machado de Assis é
negro, são os alunos que não tem pais em casa para dizer ou conversar sobre
racismo. São os alunos que se não ouvirem que racismo mata, vão cometer racismo
“velado” e uso entre aspas porque francamente não acredito que racismo seja
velado. O racismo está aí escancarado para quem quiser ver, praticar e sentir.
Quer dizer, sentir só se você for preto.
Ouvi que não era mais para tratar desse
assunto em sala, os pais disseram que “até
que eu ensino bem”, mas não posso “manchar” meu nome com essas coisas
pequenas. “São crianças, não tem maturidade para esses assuntos”. — Eu disse
que era uma turma de terceiro ano médio? Pois é!
Terminamos a reunião e “até ouvi elogios” de
que sou muito pontual, sei me expressar e que tenho muito conhecimento.
Desligamos da reunião e olhei para o espelho do meu quarto e vi uma pele negra, olhos marejados e
coração destruído.
Agora retomo a pergunta do início do texto, você sabe o que é racismo?